De volta a Kowloon sem nunca ter ido

Ainda estava sem chip de internet, mas tinha uma noção geográfica que estava perto do rio e fui seguindo o fluxo mais lógico pelo horário e posicionamento do sol, agradecendo (pela milésima vez na vida) os sábios ensinamentos do Manual do Escoteiro Mirim que eu gostava de ler quando criança. Quanto mais eu andava, mais eu me sentia em casa. A cada beco, a cada viela, a cada carrocinha que passava, vinha uma sensação de familiaridade que senti poucas vezes na vida. É como se eu estivesse refazendo um caminho conhecido, sem nunca ter estado ali.

Eu pedi a conta, ela não veio, sei que vai chegar, não sei como vou pagar.

A maioria das pessoas da minha geração queria morar sozinha para ter liberdade. Eu queria morar sozinho para comer pizza e hambúrguer todo dia. E coca-cola. Litros de coca-cola. Talvez a conta metabólica chegue aos 50, talvez amanhã ou talvez quando sair o resultado da próxima endoscopia, que pelos meus cálculos será a décima-quinta. A conta pode chegar parcelada, mas também pode chegar de uma vez só, me atropelando feito uma Scania desgovernada, passando por cima de tudo igual a uma jamanta sem freio.

Seu elogio é a minha kryptonita

A todas as poucas pessoas que me elogiaram no passado, posso apenas pedir desculpas aqui por escrito, explicar que não foi por maldade, não foi por desinteresse, foi apenas por autocontrole para não sair correndo para bem longe dessa kryptonita que embaralha minha percepção do mundo.

Da fofura à gastura

Quando escuto minhas amigas em dúvida se ainda gostam da outra pessoa, eu já sei a resposta, elas também já sabem a resposta, mas a gente senta para beber e concluir o óbvio mesmo assim. O único que nunca sabe de nada é o dito cujo, pois a gente tem essa tendência delirante de achar que as mulheres estão sempre contentes do nosso lado.

Cansado de esperar o cansaço

A estrada ficou mais longa, as pessoas ficaram mais distantes. As reuniões continuam inúteis, os doguinhos continuam abandonados, o espetinho continua borrachudo, a pizza continua ruim e até os jagunços são os mesmos; pois agora são os filhos daqueles que há 25-30 anos sentavam ao meu lado com a faca na cintura.